“Amor e fumo não se escondem.” —Eça de Queirós, do conto “José Matias”
Fumo:
um charuto.
Amor:
“às vezes, um charuto é apenas
um charuto”.
Eu poderia escrever:
O charuto é fogo que arde
sem se ver,
fere e dói
num desatino de morrer.
Sobre o amor, o que compor?
Apesar de rimar com dor,
quero mesmo é quebrar essa rima
e mandar pra puta que pariu
quem inventou esse sentimento aterrador.
Queima.
Tira pedaço.
Teima.
Insiste em ser,
com toda sua fleima.
Fumo:
uma cigarrilha.
Amor:
por vezes cheira,
denuncia seu fervor.
Vontade
não é desejo.
Este é ação consciente,
aquele, sentimento
que se vende.
Na diferença,
o que é meu não é seu,
o que é seu não é meu,
assim dá pra compor
perfeita pertença.
E no seu espaço de vivência,
a relação deve acrescentar.
Acredite nisto:
Não pertencemos à pessoa,
mas sim, ao lugar.
E pertencer nada tem a ver
com propriedade.
Por favor,
tome cuidado!
Não caia nessa enfermidade.
Fumo:
narguilê.
Amor:
“tubo flexível de uma caçoula onde arde o tabaco”,
mas isso você não vê.
Relação nem sempre
é ralação.
Muito menos pegação.
Mas afinal, deixa de exageros e defina logo:
Qual é sua intenção?
Não transfira a responsabilidade,
satisfaça-se no fazer.
Não se aquiete,
porque isso somente te aproxima
da debilidade do ser.
Fumo:
um cachimbo.
Amor:
se cochilar,
ele cai.
Na alteridade,
demandas são acordos possíveis.
Acorde!
Sem ser dissonante.
Isso não é autoridade.
Acordos partem de desejos,
da relação determinam
a (des)continuidade:
entre indivíduos,
espera-se conexidade.
Fumo:
um cigarro.
Amor:
prazer cilíndrico
num fino embrulho.
Eu não sou você
e nem vice-versa
mas quem somos,
também nada tem a ver
com a controvérsia.
Sentir-se aceito,
retribuir esse preceito,
ir e vir em intercalação
de vivência e solidão,
isso sim é equilíbrio perfeito.
Fumo:
é corpo em combustão.
Amor:
filosófico, religioso, ou transcendente
acontece na ebulição.
Pensei que você soubesse,
meu tesão é todo seu.
Mas olhe: detenha-se pouco
no esperar,
porque sentimento também anoitece.
Ah! E o prazer está no poder
de sedução.
Está no toque,
no beijo,
no gozo.
Supere o medo.
Vamos!
Agora é sempre o tempo
de viver
algo fabuloso.
Para você e para mim.
Adorei, Ana! Não sei que passagem gostei mais, mas destaco:
Na diferença,
o que é meu não é seu,
o que é seu não é meu,
assim dá pra compor
perfeita pertença.
E não é que dá pra fazer uma correlação perfeita entre amor e fumo? Parabéns!
Obrigada, Kyanja!
Quando li a frase de Eça de Queirós tive esta mesma reação: “num é que dá pra fazer uma correlação”?!
Como o fumo e outras drogas, alguns amores viciam, provocam delírios, causam dependência… química, física, espiritual… na falta, sintomas de abstinência… e podem até levar à morte… dos dias tranquilos de antes de tê-los experimentado…