O menino, que se fartava da falta de amor,
na ausência do colo materno,
sentiu a dor da ferida,
vida,
mas também na descoberta de ser o homem-santo
apenas um homem
a vestir calça brim e a andar de bicicleta.
A vida doía-lhe na pele
sem colo
nem acalento.
Descuidou-se,
descobriu o amor —
de pecados
perdoados pelo homem, que quando santo,
guardava segredos —
de modo que até no corpo,
o coração pedia sua mais rica moeda:
esse sentimento.
Na falta da mãe,
preencheu o vazio
com a leitura.
A irmã fazia ponto de cruz.
O irmão mastigava vidro.
O pai dirigia caminhão.
A madrasta fatiava tomates —
finos pedaços
que engrossavam enquanto a família diminuía,
em obras do “para sempre”.
Com a mãe aprendeu:
Para viver há que se engolir sapos,
mas não esquecer o gosto amargo,
porque isso seria “desexistir” e
“não ter havido”.
O menino,
é Bartolomeu.
Existido.
Havido.
A cada dia, nascido mais.
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“Que a vida não tinha cura, o tempo me ensinou, e mais tarde. (…) Nascer é abrir-se em feridas.”
“A dor do parto é também de quem nasce. Todo parto decreta um pesaroso abandono. Nascer é afastar-se — em lágrimas — do paraíso, é condenar-se à liberdade.”
“Ao amar, desvendei a serventia do corpo para além de guardar a alma imortal. (…) No amor, meu corpo delatou a presença da alma, que veio morar na superfície de minha pele.”
“Escrever é também pensar.”
Queirós, Bartolomeu Campos de. Vermelho amargo. São Paulo: Cosac Naify, 2011.